CAPs 1,2 e 3 - QUATRO DÉCADAS DE SAUDADES

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Capítulo I
Ao completar 41 anos que deixei minha querida Monsenhor Tabosa, cidade onde nasci e onde viveram meus antepassados, veio-me a idéia, tanto por gratidão quanto por dever de justiça, de escrever algo que de alguma forma venha enaltecer e a dignificar aquela cidade onde dei meus primeiros passos.


Monsenhor Tabosa, sua origem, personalidades, tradições, sua história, enfim, tão sábia e brilhantemente descritos por Laís Almeida Martins, José Airton Bezerra de Oliveira, Maria Augusta Melo Bezerra e José Nelson Araújo Pinho, no Documentário intitulado: Padre Inácio, o Precursor do Movimento Solidário em Monsenhor Tabosa e pelo magistrado taboense Doutor José Helder de Mesquita em sua obra: Monsenhor Tabosa e Suas Histórias e por outros que os antecederam, é também objeto de um modesto trabalho de autoria deste também taboense, cujo título é: Pelos Caminhos da Vida - Revelações de uma História.


Embora já tenha sido tratado, de forma parcial, no trabalho acima citado e seja de pouco interesse para o caro leitor, a título de registro e quem sabe, até para pesquisa de gerações futuras, faço a seguir, algumas considerações relacionadas com meus ancestrais.


Meu pai: João Rodrigues de Castro ( João Rosa )


Minha mãe: Benedita Rodrigues de Almeida


Avô paterno: Joaquim Alves de Castro, de quem não conheci nenhum parente, sabendo apenas que era oriundo da cidade de Quixadá e faleceu em 1917 na localidade Cilista nas proximidades de Sucesso.


Avó paterna: Ana Rosa do Espírito Santo: que juntamente com sua irmã Maria da Conceição foi criada em uma instituição religiosa na cidade de Sobral após haver perdido pai e mãe no decorrer de uma semana, durante o flagelo da seca de 1877. O único irmão homem, José foi criado por uma família na mesma cidade de Sobral, vindo a falecer ainda solteiro na cidade de Monsenhor Tabosa. Era apelidado de Zé Birro.


Maria da Conceição casou-se com o Sr. Severiano Veríssimo da Costa, com quem teve os seguintes filhos: João, Francisco, Joaquim, Anastácio, Luis, Josefa, Raimunda, Antônia, Luísa e Maria (Neguinha).


Joaquim e Ana Rosa tiveram os seguintes filhos: Antônio, que casou-se com Donaninha, e por ter sempre morado fora de Monsenhor Tabosa não ocorre ao autor o nome e nem quantidade de filhos que tiveram. Viveu seus últimos anos na cidade de Crateús.


Maria (Maripreta) casou com Antônio Pedreiro, tiveram cinco filhos: Antônio, Joaquim, Fausto, Expedito e José. Já viúva, foi embora para o Pará, onde faleceu em 1959.


José (Cazuza): Casou-se com Marcelina e tiveram os seguintes filhos: João, Maria, Minervina (Neve), Socorro, Joaquim, Antonina e Tarcísio; Faleceu em Monsenhor Tabosa, em 1986.
Raimundo (Budim) casou-se com Sebastiana, ligado por laços domésticos à família do Coronel Francisco Epifâneo.


Tiveram os seguintes filhos: Maria José, Maria, Maria de Lourdes, Luíza, José Antônio, João, Raimunda, Rosa e Antônia (Nega).


Luis: Casou-se com Maria Madalena, filha do Sr. Firmino e de Dona Cuta. Tiveram os seguintes filhos: Ivanilsa (Isinha), Maria das Dores, Elenir, Raimunda, Celina, Aderban, Erivan, Maria do Socorro, Maria Lúcia e Ana Rosa. Faleceu em 25 de outubro de 1958, vítima de desastre de caminhão na descida da Serra da Ibiapaba para o Estado do Piauí.


João: Casou-se com Benedita, com quem teve os seguintes filhos: Helena, Maria, esta, falecida em outubro de 1957, por ingestão de substância venenosa, na localidade de Cajazeiras, desiludida por um noivado frustrado; José, Sebastião (Bastim), Raimundo (Neném), João, Jonas, falecido em 06 de dezembro de 1978 em Brasília, vítima de cardiopatia aguda; Josué, falecido ainda impúbere, em 8 de setembro de 1954, na localidade de Baixa Grande; Luis, Ermina, Maria do Socorro e Erivaldo.
Sebastião: Casou-se com Gonçalinha, do Distrito de Inhuçu, na Serra Grande, com quem teve os seguintes filhos: Ribamar, Miriam, Maria das Graças, Antônio (Totó) e Luis (Lulu). Faleceu em junho de 1986, no Distrito de Inhuçu, onde residia.


Anastácio: saiu de Monsenhor Tabosa ainda muito novo e dele não se teve mais notícias.


Francisca: Com problemas de retardamento mental nunca se casou, não teve filhos e faleceu em Monsenhor Tabosa em 1965.


Cândida: casou-se com Manoel Ambrósio, com quem teve os seguintes filhos: Francisco, Maria, Afonso, Antônio, José, Antônia, Santana, Sebastião (Neguinho), Luis, João, José Maria e Manoel.


Manoel Ambrósio era homem simples, rude, extremamente trabalhador, profundamente radical, honesto e avesso à modernidade. Corajoso costumava andar pelos matos e dizia ter vontade de encontrar uma onça faminta que lhe enfrentasse, mas que nessa luta Deus não fosse a favor de nem de um nem de outro. Morador no Sítio de Souza, só ia à cidade aos domingos, para a missa das sete horas, tratar de alguns negócios, “matar o bicho” e retornar para casa. Quando os outros moradores estavam indo, ele já estava voltando da cidade. Não ia a médico e muito menos a dentista. Certa ocasião foi acometido de forte dor de dente que não lhe deixava dormir e, já nervoso gemia, espraguejava, blasfemava, enquanto a esposa recomendava que ele se valesse de Deus – Ele não diz que sabe de tudo, na certa sabe que estou sofrendo, respondeu. Manoel Ambrósio era assim: Trabalhou e morou durante trinta anos, na terra de um compadre seu da cidade, a quem vendia todo produto da sua colheita (milho, feijão, algodão e mamona), porém não recebia o dinheiro que ficava na mão do patrão. De ano em ano, pedia um adiantamento, o suficiente para comprar uma roupa de cáqui para ir à Festa de São Francisco das Chagas em Canindé. Quando resolveu prestar contas com o patrão, na esperança de receber uma boa quantia, ouviu do mesmo a seguinte resposta: “É compadre, eu lhe devo, mas você também me deve, vamos ficar assim: “Ninguém deve a ninguém”. E assim ficou acertado, pois quem era Manoel Ambrósio para discordar do compadre/patrão. Faleceu em 2002, com cem anos de idade.


Regina: Casou-se com Francisco Camelo Barbosa (Chico Bêndo), com quem teve os seguintes filhos: Afonso, Raimundo, Sebastião (Leusinho ou Camelinho), Luis, José, Joaquim, Antônio, Almerinda e Pedro. Faleceu no Pará.


Solidade: casou-se com Francisco Nunes, viúvo, natural de Juazeiro do Norte, vendedor de jóias e apelidado de “Chico Medonho”. Não teve filhos e faleceu já viúva, em 1996, em Monsenhor Tabosa. Seus últimos anos de vida foram em companhia de sua sobrinha Elenir e do esposo desta, Raimundo.


Raimunda: Casou-se com Augusto, de Fortaleza, com quem teve dois filhos: Jorge e José Alberto. Faleceu ainda jovem de tuberculose, doença incurável naquela época.


Joaquim: Casou-se com Hilda Gomes, do Distrito de Inhuçu. Não tiveram filhos biológicos, no entanto criaram três: Antonieta, João e Lucieuda. Faleceu em Sobral, em junho de 2000, com 83 anos de idade.


Avô materno: José Rodrigues Ferreira falecido em 20 de setembro de 1952.


Avó materna: Ermínia Rodrigues de Almeida, falecida, em 1934, de derrame cerebral. Tiveram os seguintes filhos: Maria que se casou com Pedro Chicó, de quem teve os seguintes filhos: Expedita, Antônio, Francisco, Maria do Carmo, Maria de Lourdes e Ermínia.


Luis: Casou-se com Marisinha, filha do senhor Ermínio, da Barriguda e com quem teve dois filhos: Gerardo e João.


Martinho: Casou-se com Francisca (Pupinha), filha do Major Pereira, com quem teve os seguintes filhos: José (Zé Martins), João (Dande), hoje oficial reformado da Polícia Militar do Estado do Ceará, Raimundo (Dirindo), Antônio (Tontonho), sargento reformado da Polícia Militar do Estado do Ceará, Maria, Maria José, Maria de Lourdes, Antônia (Toza), Luis e Francisco (Chico Bacu). Estes, respectivamente, Comerciante e Servidor Público na cidade de Monsenhor Tabosa, onde residem e de onde nunca saíram. Martinho era um homem de bem, cidadão pacato, trabalhador, dinâmico e com elevado potencial de humor. Enquanto vivi em Monsenhor Tabosa, tive um constante relacionamento com Martinho, por força dos laços familiares. Somente em uma ocasião eu o vi nervoso, o que, a bem da verdade, naquelas circunstâncias, qualquer cidadão ficaria. (Pelos Caminhos da Vida páginas 136 e 137). Martinho contava que em ano de pouca colheita, em virtude do inverno escasso, conseguiu salvar um lastro de mandioca e quando a mesma já estava na época de arrancar, descobriu que tinha um “sócio”, pois começou a ver seus pés de mandioca arrancados. Resolveu então fazer uma “campana” e assim dar um flagrante no ladrão. Ficou na espreita e já pela madrugada, chegou o indivíduo com um jumento, um jogo de grajáus, começou a arrancar a mandioca e a encher os recipientes. Martinho ficou esperando para ver até aonde ia aquela operação. O homem esqueceu que estava sozinho e quando tentou colocar a carga no jumento, não conseguiu. Martinho que a tudo assistia, achou que seria uma covardia não ajudar “aquele pobre homem” a colocar a carga no animal. E assim pensando, aproximou-se do invasor e ofereceu ajuda, para surpresa do larápio que reconheceu o verdadeiro dono da plantação e pensou que fosse sofrer algum tipo de represália. Martinho pediu ao homem que não voltasse mais ali, pois nem sempre ele estaria no local para ajudá-lo e além do mais ele precisava da mandioca que afinal era sua. Faleceu em Fortaleza no ano de 1981.


Quitéria: Casou-se com Gonzaga André, com quem teve treze filhos: Maria, Raimundo, Lourdes, Tereza, Antônio, José, Socorro, Luis, Francisca, Sebastiana (Seinha), Fátima, Gerardo e Francisco. Faleceu em Catunda onde morava já viúva em 1992, com oitenta e dois anos.


Gonçalo: Casou-se com Hilda, filha do senhor Antônio Torres, do Diamante, com quem teve os seguintes filhos: Alda, Analita, Tereza, Ermina, Francisco (Nando), Socorro, Zélia, Estelina, Raimunda, Fátima e Gerian. Faleceu em 04 de julho de 2004, aos 92 anos de idade. Benedita: Casou-se com João Rosa, conforme já descrito.


Francisco: casou-se com a acreana Raimunda, tendo os seguintes filhos: Sebastião, Luís, Otávio, Manuelito, Rui, José Carlos, Júlio, José, Vítor, Diomar, Célia, Dulce, Conceição e Vera.


José Rodrigues Ferreira, apelidado de “José Surrão”, cujo apelido herdara de seu pai Vicente Ferreira (Vicente Surrão) que por sua vez ficara assim conhecido em virtude de ter o hábito de conduzir um pequeno utensílio feito de palha de carnaúba, semelhante a um surrão.


Ficou viúvo em julho de 1934. A necessidade lhe impôs a pretensão de um novo casamento e após algumas investidas frustradas ou desaconselhadas, sugeriram que ele deveria casar-se com Angélica, moça solteira, honesta, negra e pobre como ele. Aceita a idéia, buscou-se a intermediação de Ana Rosa, minha avô paterna, que obteve a resposta positiva de Angélica. Segundo minha vó Ana Rosa, Angélica, ao ser interpelada a respeito do casamento questionara com muita humildade: “E será que ele me quer?” Feito isto, levou-se o caso à apreciação do coronel Francisco Epifâneo que após as indagações e aconselhamentos de praxe, aprovou a união que foi oficialmente realizada em setembro de 1934.


Angélica já criava um menino Raimundo, filho de Pretinha, mãe solteira, ainda em tenra idade, que acompanhou o casal a quem chamava padrinhos.


Já na pré-adolescência, sua mãe adotiva pedia ao meu pai para andar com o menino, para segundo ela o mesmo “ Tomar jeito de Homem”, e assim o meu pai fazia.


Raimundo realmente ficou homem, trabalhou muito, ajudou muito ao meu pai em tarefas diversas e em momentos difíceis como por ocasião do falecimento do meu irmão Josué em 08 de setembro de 1954.


Casou-se duas vezes, teve filhos adoeceu e depois de um longo período de enfermidade faleceu em 30 de janeiro de 2004.Era conhecido por Raimundo da Angélica.


Aproveito a oportunidade para registrar minha gratidão e minha saudade ao nosso querido Raimundo.


Naquele tempo, talvez ainda não existisse a figura do exame pré-nupcial e sem tais precauções, o primeiro filho do casal, Henrique, teve sérios e dolorosos problemas genéticos que o levaram a óbito em 18/12/03, após tantos anos de sofrimentos. Apesar de uma quase total incapacidade do aparelho locomotor, Henrique nunca mendigou, estudou o suficiente para, como professor leigo ministrar aulas do 1º Grau (Ensino Fundamental), o que fez por muitos anos. Era carinhosamente chamado de Mestre Henrique. Antes de ser professor, foi sapateiro, padeiro, cobrador de impostos na feira, entre outras atividades. Chegou a montar uma panificadora em sociedade com o veterano Hugo Padeiro. Henrique casou-se com Terezinha, filha do senhor Manoel Chicó tiveram vários filhos, mas somente dois sobreviveram Josafá e Jeová.


José Ferreira e Angélica tiveram ainda outro filho, o Antônio, que por ser negro como os pais, o que hoje convencionou-se chamar de “afro descendente”, ainda pequeno ganhou o apelido de “torrado”. Em 1959 Antônio veio para Brasília onde, após muito esforço e persistência ingressou no serviço público, passando pertencer ao quadro do então Departemento dos Correios e Telégrafos, órgão vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Casou-se com Maria do Socorro filha do senhor Joaquim Bernardino, nosso querido Joaquim “socó”, viveram bem tiveram quatro filhos Rute, Roberto, Rose e Rodrigo, mas razões desconhecidas levaram o casal a se separar após muitos anos de convivência.


Antônio, que chegou a ser uma referência para muitos taboenses que o conheceram nos anos 60, entrou em decadência, aposentou-se por problemas de saúde e sua vida verdadeiramente mudou para pior. Expressava nítida insatisfação com o apelido, pois o encarava como uma alusão pejorativa à sua cor. Apesar disto, costumava brincar com a própria condição, observando que todas as pessoas importantes têm nomes bonitos, por mais estravagantes que possam parecer e acrescentava: “já pensou, se meu nome fosse Timbau”? Naturalmente quando eu passasse na rua, as pessoas falavam: “olha o nêgo timbau passando!” Antônio referia-se a um Ministro de Estado na época do Governo Militar, cujo nome era timbau.




Capítulo II 


Sociedade


O conceito de sociedade, por muitos anos, teve uma concepção equivocada por  parte dos habitantes de Monsenhor Tabosa, pois “Sociedade” era vista  como uma classe social, onde seus membros tinham que ter boa aparência física, bom poder aquisitivo e descender de família tradicional e com tais atributos.  Prova disso é que havia na cidade dois clubes, Muçambê Atlético Clube e Pisa na Fulô, para fazer a recreação da juventude, de acordo com  a posição social de cada um. O Muçambê, assim chamado por ter sido  construído em uma área onde havia uma enorme quantidade daquela planta da família das caparadácias, tinha seu acesso restrito à “Sociedade ou Primeira”.  


Já o Pisa na Fulô, uma alusão ao xote do mesmo nome , de autoria de João do Vale, muito ouvido na época, surgiu de um empreendimento pessoal do saudoso  Regino Amaral e destinava-se à “Classe Média”, ou “Segunda”. 


Em hipótese alguma, os freqüentadores do último clube ousavam tentar ter acesso ao primeiro, mas como “quem pode mais, pode menos”, os freqüentadores  deste, podiam freqüentar livremente aquele clube. Embora não fosse claramente reconhecida, havia uma classe social intermediária que não freqüentava nem um clube nem outro, um porque não lhe convinha e outro porque não lhe convidavam. 


O critério de seleção para o acesso ao clube da primeira permitia contemplar também o rapaz ou a moça que mesmo pertencendo à classe média, viesse a se casar com alguém da sociedade, o que raramente ocorria. O desejo de separação era tão visível, que até mesmo pessoas ligadas à elite por vínculos empregatícios, sentiam-se no direito de se equiparar àquela classe social. Como exemplo podemos citar o caso de uma moça que trabalhava e morava na residência de um comerciante da cidade. Possuidora de alguns dotes físicos atraentes recebeu proposta de namoro de um rapaz da classe média. Do alto do seu “pedestal”, a moça  mandou que ele se colocasse no seu lugar que ela também iria fazer o mesmo. Desapontado o rapaz desistiu de seu intento, mas bem que poderia ter questionado acerca de qual seria o lugar de cada um, pois no seu entendimento não havia qualquer diferença sócio-econômica entre ambos. Não o fez por educação. 


Espera-se que essa jovem tenha se casado bem, ou seja, com alguém do nível social que ela julgava ter. Há também o caso de um soldado, destacado na cidade, que se casou com uma moça da sociedade e em razão disso passou a pertencer ao quadro social do clube. O soldado viu-se numa situação de desconforto, ao ser convidado para uma mesa, onde se encontrava um general.  Embora o oficial não conhecesse o soldado, este sentiu-se na obrigação de pedir-lhe permissão para permanecer no recinto, pois o Regulamento Militar proíbe o soldado de sentar-se ao lado de um oficial General, exceto as situações em que o primeiro seja motorista do segundo. O soldado agiu corretamente,  mas com certeza não se sentiu à vontade no decorrer daquele evento social. 
Os tempos mudaram e hoje em Monsenhor Tabosa não se fala mais em primeira nem segunda e o conceito de sociedade voltou a ser considerado como: “Reunião  ou Estado dos Homens que vivem sob Leis Comuns”. 


Hoje, tenta-se, com veemência justificar aquela divisão social que ocorria em Monsenhor Tabosa, alegando-se a falta de espaço físico para a realização de eventos, em datas anteriores à construção dos clubes. Acerca disso,  escreveu o Doutor José Helder de Mesquita em seu Livro Monsenhor Tabosa e suas Histórias: “Isto ocorria, não por orgulho, como alguns apregoam, mas, por necessidade. As festas acontecendo em casas de família, em apertadas salas, não tinham condições para muitas pessoas, daí a limitação”.  Pergunta-se: E depois da construção dos clubes? 




Capítulo III
 

Religião
 

Católica em sua maioria, a população taboense teve ao longo de sua existência um número significativo de párocos ou curas que, evidentemente, tiveram relevante papel na evolução da cidade e na formação de seu povo. Conheci como primeiro vigário, o padre Inácio Américo Bezerra, por quem eu e a maioria de meus irmãos fomos batizados. Polêmico, controvertido, corajoso e extremamente trabalhador, padre Inácio esteve à frente do paroquiato de Monsenhor Tabosa, de 1936 a 1959, quando renunciou à condição de pároco.
 

“Em 1959, Padre Inácio decidiu renunciar à sua condição de pároco. Com a renúncia, passou a residir na Fazenda Juazeiro, em Independência, onde nascera. Entretanto de quinze em quinze dias visitava a terra adotada”.
 

“Quando já alquebrado pela doença que o levaria ao túmulo, passou a residir em Fortaleza e o desenlace ocorreu em 21 de março de 1982, tendo sido sepultado no cemitério Parque da Paz”.
 

Estes parágrafos, extraídos do livro: Padre Inácio, o Precursor do Movimento Solidário em Monsenhor Tabosa, de autoria de Laís Almeida Martins, José Airton Bezerra de Oliveira, Maria Augusta Melo Bezerra e José Nelson Araújo Pinho, encerram a existência física de Padre Inácio Américo. Todavia, sua memória, seus feitos e seu legado, permanecerão vivos. “ad infinitum” entre tantos quantos o conheceram, particularmente este autor que sempre nutriu um profundo sentimento de respeito, obediência e admiração pelo reverendo extinto.
 

Do Grajaú Para o Confessionário
 

Em 1955 a Paróquia de Monsenhor Tabosa foi sede de um retiro esperitual do qual fizeram parte alguns Padres de cidades vizinhas tais como padre Bonfim de Cratreús, padre Leitão de Nova Russas, entre outros, sob a coordenação do vigario padre Inácio Américo.
 

Foi nessa época que fiz minha primeira Eucaristia, sendo o padre Bonfim, meu primeiro confessor. Na preparação para receber tais sacramentos, confissão e comunhão, aprendi quais os requisitos básicos para uma boa confissão, quais sejam: exame de consciência,declaração dos pecados, arrependimento, propósito e penitencia. Aprendi outrossim, a definição de um pecado mortal que é assim caracterizado: matéria grave, conhecimento perfeito e deliberação plena. É evidente que tudo isto e visto pela ótica da religião católica, pois as outras denominações naturalmente ignoram os presentes ensinamentos.
 

Foi também nessa época, que uma anciã moradora na localidade de Poço dos Cavalos,que há anos não vinha a cidade, foi trazida para se confessar. Semi- paralítica e decrepta, aquela senhora foi conduzida dentro de um grajau fazendo contra-peso com um pilão das costa de um jumento. A chegada foi no hotel do senhor Gonzaguinha próximo a Igreja,de onde foi levada diretamente para o confessionário. Quando o confessor perguntou há quanto tempo não se confessava, respondeu em alta voz: “Há 30 anos” (segundo os madamentos da igreja, o católico e obrigado a confessar-se ao menos uma vez por ano). O padre pediu para ela falar mais baixo so que ela falou tão baixo que ele já não entendia e pedia-lhe que falasse mais alto e ela então voltava ao tom anterior e assim foi difícil para a podre ansiã receber a absorvição de seus pecados, que talvez nem fossem tantos.
Seminaristas
 
Nos anos cinqüenta e sessenta Monsenhor Tabosa contava com um razoável número de seminaristas, estudantes nos seminários de Sobral e Fortaleza e que nos meses de janeiro, época de férias se fazia presentes nos eventos religiosos alusivos às comemorações e homenagens a São Sebastião, o Santo Padroeiro. O sentimento religioso e a inclinação para o clero era patente entre os jovens taboenses daquela época e como era muito dispendioso manter um filho no seminário, somente quem dispunha de recursos financeiros suficientes para tal, ousava fazê-lo. Permito-me aqui, enumerar, os seminaristas daquela época, que como já foi dito, nas festas de janeiro, com suas batinas pretas e roquetes, auxiliavam o vigário na celebração da missa e demais atos litúrgicos; ministravam aulas de catecismo, conduziam o andor por ocasião da procissão numa clara expressão de religiosidade e fervor. Eram eles: Helder (Dr. Helder), Jonas do senhor Antônio Ferreira, Nivardo e Zairton do senhor Artur Cavalcante, Lulu do senhor Nelson de Pinho, Francisco José da Dona Anísia, Luis do senhor Ulisses, Javan da Dona Maria Neusa, Hugo do senhor José Américo, João e Dedé do senhor José Nunes, Cisa do senhor João Nunes, Antônio (Totonho) do senhor Manim, Sitônio do senhor Arlindo. Detalhe importante é que quatro dos seminaristas acima citados Javan, Hugo, João, Dedé, são sobrinhos do Padre Inácio. Somente o Jonas do senhor Antônio Ferreira, chegou à ordenação. Os demais optaram por outras formações profissionais e até onde eu sei, são cidadãos de bem e com reconhecido sucesso como profissionais liberais (médicos, advogados, etc.), empresários, servidores públicos e juiz na capital do Estado ou fora dela.
 
Convém ser ressaltado que outros taboenses cursaram o seminário, até a ordenação, como foi o caso do Padre Odilon Marinho Pinho, ordenado em 1952, Padre Juraci Silva, ordenado em 1963 e Frei Moisés Rocha de Almeida, ordenado em 1961. Estes, não os conheci como seminaristas.
 
O Terço de Nossa Senhora
Após a peregrinação da imagem de Nossa Senhora de Fátima, pelo Brasil, oriunda de Portugal, cuja passagem por Monsenhor Tabosa ocorreu em 1953, instituiu-se a obrigatoriedade de se rezar o terço todas as noites na Igreja Matriz. Em épocas de férias, este ato religioso era presidido por algum dos seminaristas anteriormente citados. Lembro-me que certa noite, por ocasião de tal procedimento, a cargo do seminarista Zairton, o mesmo dedicou um “mistério” ao pedido de chuva para o Ceará, vez que estávamos no mês de janeiro. Não sei se foi coincidência, ou se de fato a santa invocada intercedeu em seu favor, o certo é que o dia seguinte amanheceu chovendo.
 
Nos outros períodos do ano, aquele ato ficava a cargo de outras pessoas, tais como: Dona Mariinha Nunes, Dona Maria Lúcia, Dona Lídia Mendes, Dona Judite Araújo, Dizinho e outros. Como ainda não havia energia elétrica, ou se quando já havia, a mesma faltava, a igreja era iluminada pelo lampião do senhor Manoel Valdivino, um autêntico católico e participante assíduo dos eventos religiosos da paróquia. Igualmente participantes do terço diário na matriz, lembro-me das seguintes pessoas: Senhor Farias, José Grajaú, Mestre Guai, José Duarte (Zé Cego), Ioiô, Ilário, Gracilina, Dona Elmira, Senhor Luis Valdivino e seu filho José. Dona Elmira costumava participar dos atos litúrgicos realizados na igreja com a cabeça recostada em uma coluna, cujas marcas do seu cabelo, mal lavado e oleoso, eram nítidas no local.
 
Um determinado vigário cogitou colocar pregos no local, para evitar tal procedimento pois estava sujando a coluna.
 
Dona Elmira não era de Monsenhor Tabosa – Quando a conheci, já se vestia de preto, morava sozinha e de tempos em tempos viajava a pé para o Canindé. Dizia que certa ocasião fora confundida com Nossa Senhora de Lourdes, quando se encontrava no interior de uma igreja naquela cidade – Dizem os mais velhos, que Dona Elmira costumava passar em Monsenhor Tabosa, vindo não se sabe de onde, com destino a Canindé. Numa dessas passagens, resolveu ali fixar moradia. Costumava puxar um cavalo pelo cabresto e dizia que quando estava com o animal, era como se estivesse com o marido. Não sei se o tinha ou se o tivera. O que sei é que nunca apareceu na cidade, qualquer ascendente ou descendente seu. Dona Elmira criava um galo que não sei se pela espécie ou se por algum problema genético, era parcialmente pelado. Às vezes, quando se estava brincando de adivinhação, perguntava-se: “Qual a ave que não tem pena?” Ao invés de responder a “Ave Maria”, respondia-se: “É o galo da dona Elmira”. Dona Elmira morava em uma casinha muito humilde, cujas condições de higiene não eram lá tão boas, na Rua São Sebastião, próximo à Igreja. Devota de São Sebastião, por ocasião da Festa em sua homenagem, costumava requisitar a imagem para pernoitar em sua casa, como outras pessoas faziam. No dia seguinte, dava a sua oferta em espécie, cuja origem ninguém conhecia, pois não se tinha conhecimento de qualquer fonte de renda daquela anciã.
 
Dizem que um vigário da época teria proibido ou demonstrado insatisfação com o fato de a imagem do santo padroeiro pernoitar naquela residência de precárias condições de higiene. Não sei se teria tido a mesma postura com relação à oferta.

O Penitente
 
Não foi da minha época, mas quem viveu em Monsenhor Tabosa nos anos 30, na certa se lembrará do “Penitente“, aquele personagem místico que se dizia envido de Deus e, em nome do “Beato Zé Lourenço”, líder de uma seita religiosa com sede em Santa Cruz do Deserto, no Sul do Estado, arrebanhava famílias inteiras para serem levadas àquela comunidade.
 
Segundo informações dos que o conheceram, o “Penitente”, cujo o nome verdadeiro, desconheço, trajava-se com vestimentas bem características e, em público, portava-se como um verdadeiro servo do Senhor, como dizia ser.
 
Algumas pessoas no entanto, começaram a duvidar de suas reais intenções e da seriedade da instituição que ele dizia representar. Esse fato causou intenso mal-estar entre o céticos e aqueles que nele acreditavam.
 
Enquanto isso a comunidade em Santa Cruz do Deserto crescia de forma assustadora, havendo rumores de que o líder Zé Lourenço formava um verdadeiro harém, pois mulheres eram postas a sua disposição, enquanto os homens trabalhavam no serviço pesado para a manutenção de todos.
 
A Situação foi se dimensionando e causando preocupação às autoridades eclesiásticas e governamentais que decidiram interferir e assim poder compreender o que de fato estava acontecendo.
 
Começaram a surgir denuncias de assédios sexuais contra o “Penitente”, reforçando assim a posição dos que duvidavam de sua conduta, enquanto “Representante de Deus”.
 
Concluídas as investigações, descobriu-se a farsa e foi expedido mandado de prisão contra o “Penitente”, que ao ser preso, teria dito, de mãos postas: “Graças a Deus, está encerrada a minha Missão”. Que cara de pau!
 
Conheço gente ainda viva, que morando no Ferreiro na época lembra com nitidez do dia em que a polícia passou conduzindo o “Penitente”, da Barriguda onde fora preso em uma residência que o hospedara.
 
Conheci também um ex-Militar da Polícia Militar do Ceará, que integrou a Força Policial designada para desativar a comunidade e prender o seu líder.
 
O CURANDEIRO
 
No começo da década de 60, surgiu em Monsenhor Tabosa, não um penitente, mas um curandeiro que se dizia possuidor de poderes sobrenaturais capazes de curar doenças, as mais variadas e tidas como incuráveis.
Não lembro seu nome, mas sei que era um individuo de aproximadamente 30 anos de idade, moreno, estatura mediana, cabelos pretos e curtos.
 
Sabedor de suas promessas, meu pai o procurou e ofereceu-lhe uma boa quantia em dinheiro para que o mesmo curasse o Mestre Henrique, portador de uma grave doença genética que impedia sua locomoção, conforme já citado em capitulo anterior. A exigência era que o mesmo ficasse em condições de andar de bicicleta, subir em coqueiro, nadar e jogar futebol.
 
O curandeiro, é claro, não aceitou a proposta, pois sabia que não tinha condições para tal. O que dizia fazer era apenas uma farsa.
 
O charlatão armou sua tenda na localidade de Baixa Fria, onde passou a “consultar”.
 
Em uma de suas consultas, teria tentado molestar a consulente, uma senhora casada que logicamente não cedeu aos seus instintos e, indo mais além levou o fato ao conhecimento do seu esposo.
 
O resultado final é que o conquistador sofreu violento corretivo que lhe deixou de cama.
Sua sorte é que na época tinha um médico na cidade e este sim, tratou de curá-lo de verdade após o que o espertalhão desapareceu.



AGUARDEM O CAPÍTULO 4...